A novela do pinga-pinga do ar condicionado (Split)
Noite de inverno, o inverno de 2018 em Porto Alegre; faz frio
desde maio e não é pouco frio. Frio, chuva, umidade, vento gelado. O interfone
toca, o vizinho de baixo reclama o ruído do pinga-pinga do nosso ar
condicionado. Abro a janela, olho e vejo com a lanterna do celular uma
cachoeira urbana, artificialmente incômoda, um problema que não posso deixar
afetar o vizinho inocente. O problema é meu, é nosso. Enfim, desligo o ar
condicionado e suportamos (eu e a Gata) o frio até ir dormir: amanhã é dia de
gambiarra.
Dia cinza, mas a luz do sol entrenuvens permite a análise, o
diagnóstico. Pinga sim, mas da onde? Vejo a mangueira que desce do aparelho
interno, outra mangueira que sai do externo. A mangueira da parte interna desce
pela mangueira, passa pelo joelho, atravessa o caso de PVC e permite que a água
caia longe do aparelho de ar condicionado do vizinho de baixo. O problema
persiste na mangueira que sai da aparelho externo, tento aproximar a mangueira
da parede externa do prédio para escorrer, mas cai ainda no aparelho do
vizinho. E não sai água dessa mangueira. A água escorre do meio do aparelho,
não consigo ver da onde exatamente. Não tem jeito, vou ter que chamar um
técnico.
Não tem jeito, levo dias para tomar a atitude de chamar um
técnico, abrir mão do meu orgulho gambiarrista. Alguns dias depois, peço
orçamento pela internet de empresas especializadas. Demora. Vou ver se o
técnico vizinho está atendendo, faz tempo que sua loja se transformou em brechó
de roupas baratas. Vou no brechó, pergunto do técnico, acho que é marido da
mulher que me atendeu. É o Juarez, o cara, the Dud. A mulher me dá um número de
telefone, do Juarez, mando mensagem de whatsapp e nada. Dois dias e nada.
Apelo e falo com o zelador, a dica é o Juarez. Dessa vez, o
zelador vai caminhando até ele, chama e ele vem. O telefone dele está ruim. O
Juarez chega no apartamento, se dirige à janela sem olhar a decoração interior
da nossa casa. Pede para eu ligar o ar, começa a pingar e ele não entende por
que a água, o suco de gente, não sai pela mangueira.
O Juarez pede se tenho ferramentas, ele não trouxe uma chave de
fenda sequer. Tenho, claro que tenho, sou gambiarrista. Uma chave philipis
abriu a tampa superior do aparelho externo, o Juarez foi me explicando como
fazia para abrir. É como um caixa de metal com uma máquina dentro. A caixa
estava cheia de água no fundo, saía por um buraco sem razão, localizado no lado
oposto ao encaixe da mangueira. Um buraco no metal, sem razão de ser.
Começam as gambiarras: um pedaço de borracha enrolada deve tampar,
recorta um pouco mais, e um pouco mais, tenta, tenta e nada. Não funcionou a
ideia dos dois.
Pensamos, então, que tampar este buraco pouco importa. O problema
é a mangueira, deve estar entupida. Deve ser isso. Muito tempo sem mexer no
escoamento, deve ter criado um bioma próprio.
(Nesse processo aprendi com o Juarez que a mangueira que sai do
aparelho interno escoa a água proveniente de dias quentes, quando o ar
condicionado retira calor de dentro para por lá fora. A água que sai no inverno
vem do aparelho externo. Por isso, esse problema apareceu em junho, no inverno.
Dã).
A mangueira está entupida sim, serto, e aí, como desentupir?
Procuro um arame flexível, um fio de luz... nada. Procuro no canto
das tralhas e encontro uma capa de cabo de freio de bicicleta, nova, mas
perfeita para esta função. Foi colocar a capa adentro e tirar, que a água
começou a escorrer.
O diagnóstico do Juarez estava correto. E agora, como encaminhar
esta água para longe do ar do vizinho de baixo?
Nosso técnico inventou uma solução, um conector de três pontas nas
direções (XYZ da geometria analítica). Era só comprar e instalar, eu mesmo
poderia fazer, disse o Juarez. Ele já ia indo quando perguntei o preço da
consultoria: nada, não. Insisti que sua meia hora fosse valorizada, paguei
vinte reais e ele saiu feliz dizendo que tomaria “uma cerveja em minha
homenagem”.
Desço e vou na ferragem do outro lado da rua. O tal conector não
existe, o único de três pontas tem o formato de um “T”. Com o vendedor da
ferragem, pensamos uma alternativa, uma boa e engenhosa gambiarra: um “T”
ligado a um joelho por um pedaço de mangueira.
Chego em casa e começo a montagem. Primeiro problema: não cabem os
dois braços no espaço no canto da janela onde está localizado o aparelho
externo. Se chegar ao ponto da manutenção com o outro braço (o direito) será ao
custo de uma das pernas no ar, ou as duas. Ou seja, inviável na altura do 13º
andar.
Retirar as peças instaladas foi fácil, mas engatar a mangueira no
conector com um braço só foi desafiador. Tento utilizar uma caneca com água
fervente para amolecer a mangueira e
depois de uma meia hora tentando, desisto, pois a mangueira não tinha firmeza
alguma e começava a deformar quando eu fazia pressão com o conector. Pensar em
outra estratégia...
No chão da sala vejo que materiais estão à disposição, tento
encontrar em um jogo de tentativas alguma solução. Um cano de PVC de rede
hidráulica entra justo no conector, perfeito, mas seu diâmetro externo deixa a
mangueira folgada. De qualquer modo, será possível encaixar com um braço só. O
jeito é apelar para um silicone.
Encaixo tudo que posso no chão da sala e começo com um braço a
juntar as peças. O silicone preenchendo a folga entre o cano e a mangueira
deveria vedar. Mas não vedou: seguia pingando, escorrendo por essa brecha até o
ponto mais baixo da mangueira, até o aparelho do vizinho de baixo.
Já era noite, não enxergava nada sem lanterna, melhor deixar par
ao dia seguinte.
Mais silicone, esperar secar, mais um teste.
Mais silicone, esperar secar, mais um teste.
Mais silicone, esperar secar, mais um teste.
Mais silicone, esperar secar, mais um teste.
Mais silicone, esperar secar, mais um teste.
Retiro todo o silicone, já é o quinto dia tentando solucionar o
problema. A gambiarra não está respondendo bem. Preocupação. Retiro toda a
massa de silicone, refaço a vedação com cuidado para não ficar nenhum furo. Mas
não vedou, seguia pingando...
Sexto dia de obra, estou intrigado, ligo o ar e procuro entender
por onde vaza. Descubro, enfim, que é no encaixe do cano de PVC com o conector
que vazava. Lembram que falei que o encaixe foi perfeito. Perfeito não existe.
Nesse encaixe, por ser justo, o silicone não era a melhor opção.
Fiz uso da velha cola Durepoxi, infalível. Duas horas depois o teste - somente
pingando na extremidade do cano, longe do aparelho de ar do vizinho e, melhor,
escorrendo pela parede.
No sétimo dia, descansei na sala com ar quente.